Mães na pandemia – De Marvel a Darwin

Em breves linhas, podemos dizer que os principais ingredientes para a motivação são a coragem e a disposição, ambas direcionadas a um propósito. Contudo, esses dois ingredientes não são sólidos e constantes na vida de grande parte da população. Você pode até não ser integrante desse enredo, mas certamente conhece alguém que passa por situação semelhante. Aqui, abordaremos a vivência das mães ou responsáveis que são chefes de família, com inúmeras atribuições em casa, e ainda terem que performar no trabalho em tempos de pandemia. Como anda a sua motivação?

As perguntas de “tudo bem?” nunca tiveram um cunho tão retórico como atualmente. Essas pessoas estão realmente contentes? Estão indo na direção que querem? Planejaram e traçaram suas rotas de acordo com o que é melhor para elas? A resposta, geralmente, é negativa. O que mais se verifica são relatos de mães que adoeceram física e mentalmente por privação do sono, falta de uma alimentação adequada e cuidados básicos, haja vista que o dia só tem 24h, e são múltiplos os papeis a serem desempenhados por elas na sociedade. As cobranças pela perfeição surgem de todos os lados, assim como as louças, as roupas e os boletos. O marido reclama injuriado quando algo não está do seu agrado, as crianças exigem muita atenção, e o trabalho pressiona por resultados, ou R-U-A! Essa história não terá final feliz. O tratamento indigno, desumano e, não raro, violento, fere o mínimo existencial, gerando stress, insatisfação, transtorno de ansiedade, síndrome do pânico, depressão, sem falar em coisas ainda piores, e são o pano de fundo do que se convencionou chamar de “o novo (nada) normal”. Tanto é assim que a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Fernandes Figueira iniciaram uma pesquisa sobre os impactos psíquicos da pandemia de Covid-19 em mães de crianças e adolescentes, bem como em seus filhos.

Se somos heroínas de Marvel ou apenas sobreviventes na teoria de Darwin, o fato é que as mães, de uma forma geral, não estão sendo olhadas com a devida empatia. Então, vamos abordar o tema sob outro aspecto, monetizável e com foco no mercado de trabalho, numa pegada mais concreta para os tempos atuais.

Considerando que empregado feliz produz muito mais (e o inverso também se verifica), os empregadores de uma forma geral deveriam estar bastante preocupados com o bem estar dos seus trabalhadores, haja vista, em última análise, o retorno financeiro que isso traz e o prejuízo que se evita.

Afora o aspecto da produtividade, passamos à análise de risco de passivo futuro. Nos debates jurídicos, esta é uma preocupação comum entre os advogados que militam na área trabalhista, principalmente com relação às alegações de doenças de origem laboral, dano moral (por vários motivos), síndrome de burn out, assédio, entre outros.

De um lado, as empresas visam cada vez mais a redução de custo e o aumento da margem de lucro na pandemia, com a gestão de pessoas à distância, nessa nova realidade de trabalho remoto forçado em razão das circunstâncias. De outro, observamos que o afastamento social tende a tornar a relação entre patrão e empregado cada vez mais desequilibrada.

Os teletrabalhadores têm dificuldade de separar a vida pessoal da profissional, ocorrendo uma sobreposição do trabalho à vida privada, como se estivessem morando no trabalho. Um relatório conjunto da OIT e da Eurofound em 15 países sobre os efeitos do teletrabalho no mundo revela a tendência a um prolongamento da jornada de trabalho, com consequências para empregados e empregadores.

Alexandre Loch, psiquiatra coordenador de pesquisas do Hospital das Clínicas de São Paulo, alerta que a cada brasileiro com Covid-19, existirão outros 40 (quarenta) trabalhadores com doenças psiquiátricas em razão da pandemia.

Se os departamentos de recursos humanos, responsáveis pela percepção de clima organizacional, não encontrarem receptividade das ideias de employee experience nas lideranças, a sobrevivência de corporações que estejam perdidas em seus propósitos encontra-se gravemente ameaçada.

Empresas que não possuam uma cultura organizacional forte e bem definida, com uma comunicação muito clara dos seus valores e propósitos, tendem a perder a conexão com sua força de trabalho, desnorteada e sem motivação.

Segundo recente pesquisa divulgada no Valor econômico do dia 14 de abril, a boa liderança é o fator mais importante para manter a cultura corporativa no trabalho à distância, e a chefia foi quem melhor apoiou um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.

Essa transformação do ambiente laboral demanda uma série de precauções que implicam na elaboração de documentos que regulamentem a relação de trabalho após mais de um ano de pandemia. Destaca-se, aqui, o importante papel do Jurídico na geração de documentos, como contratos, procedimentos, acordos coletivos, Manuais, e também do RH para fins de treinamento, a área de SMS nas questões ergonômicas e de prevenção de doenças, além das soluções tecnológicas do setor de TI, numa atuação integrada e multidisciplinar.

No meu lugar de fala, chamo a atenção para os colaboradores que têm filhos ou incapazes sob seus cuidados, trabalhando onde antes era apenas a residência. Essa, entendida como asilo inviolável, hoje, virou a extensão da empresa.

Soluções criativas, tais como ouvir essas pessoas com uma escuta ativa, entendendo suas necessidades e oferecendo-lhes ajuda, seja na gestão do tempo, na definição de metas mais realistas, seja a indicação de atendimento médico ou psicológico adequados, são medidas simples que demonstram empatia e trazem retorno imediato na produtividade e na imagem da empresa.

Afinal, uma grande lição que a pandemia nos ensinou é que o bem de todos passa necessariamente pelo bem de cada um.

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Luciene Romanelli Barreto

Luciene Romanelli Barreto

Consultora Trabalhista Empresarial, Fundadora da Paixão por Pessoas, palestrante, advogada, escritora, feminista, mãe do João Francisco, formada em Direito há mais de 15 anos, LL.M. em Direito Corporativo, pós-graduanda em Psicologia Organizacional e Gestão de Pessoas e idealista de um mundo mais humanizado.

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